Há perguntas que recebo muitas vezes — e uma das mais estranhas é esta: «Por que razão os portugueses traduzem os nomes das pessoas?».
É uma pergunta que vem, invariavelmente, do lado de lá do Atlântico. Percebe-se: nenhum português perguntaria tal coisa — por uma simples razão: nós, portugueses, não traduzimos os nomes das pessoas. Para nós, que estamos cá em Portugal, seria o mesmo que perguntar «Por que razão os portugueses falam turco?».
Não, não falamos turco e não traduzimos os nomes das pessoas. No entanto, alguns brasileiros estão convencidos de que sim (que traduzimos os nomes; não que falamos turco).
Vou corrigir o que disse acima: em Portugal, não traduzimos os nomes das pessoas — em geral. Há excepções: traduzimos os nomes de algumas personagens históricas, os nomes dos papas, os nomes da Bíblia, os nomes de alguns reis. Mais: até ao século XIX, era muito habitual traduzirmos outros nomes; agora, é algo excepcional.
Estas excepções não são particularidades portuguesas. É o que também acontece no Brasil — e, diga-se, em muitos outros países, em várias línguas.
Os brasileiros (e portugueses, espanhóis, franceses e outros que tais) traduzem os nomes de personagens históricas (Martinho Lutero, Júlio César, Cristóvão Colombo, entre outras); os nomes dos papas (Francisco, João Paulo II, Bento XVI); os nomes da Bíblia (Tiago, João, Jesus, Maria...); e os nomes de alguns reis.
É nos reis, no entanto, que surge uma pequena diferença entre Portugal e o Brasil.
No Brasil, não é costume traduzir-se o nome da anterior rainha britânica nem o nome do actual rei. Usa-se, habitualmente, Elizabeth II e Charles III. Em Portugal usamos as traduções tradicionais desses nomes: Isabel II e Carlos III.
Os brasileiros também costumavam traduzir os nomes dos reis britânicos, mas perderam o hábito durante o século XX.
Apenas isso. Houve uma pequena mudança de hábitos no Brasil na tradução dos nomes dos reis de um certo país.
É uma grande diferença? Nem por isso. Os portugueses traduzem o nome de duas pessoas (!) que os brasileiros não traduzem.
Esta diferença, esta pequena diferença, levou a que algumas pessoas acreditassem que os portugueses traduzem os nomes de todas as pessoas.
Não é caso único: quando pensamos nas variedades da língua, tendemos a generalizar pequenas diferenças até parecerem algo fundamental — pela simples razão de que as diferenças chamam a atenção.
Não é que não existam diferenças importantes (todos sabemos que sim) — mas também há uma forte tendência para pegarmos numa diferença que ocorre em certas situações e generalizar indevidamente até acreditarmos que ocorre sempre.
Algo parecido também acontece, por exemplo, quando os portugueses afirmam que os brasileiros não usam o «tu». Usam, mas não com a mesma frequência nem nas mesmas situações.
Outro exemplo: no Brasil, muitos pensam que em Portugal não se usa o gerúndio. Usa-se, mas não com a mesma frequência e não nas mesmas situações.
Poderia continuar a enumerar diferenças reais que são amplificadas na nossa percepção sobre a língua até se tornarem mitos sobre a língua (os brasileiros nunca usam «tu»; os portugueses não conhecem o gerúndio; os portugueses traduzem os nomes das pessoas).
Quando estamos a falar de variedades da mesma língua, é mais fácil dar importância às diferenças do que à proximidade. Entre línguas diferentes, ninguém estranha que os hábitos sejam diferentes. Quando falamos da mesma língua, estranhamos. Estranhamos tanto que acabamos convencidos de que as diferenças são em maior número do que realmente são.
Enfim. É verdade que o rei britânico é Charles III no Brasil e Carlos III em Portugal — mas ele não se importa e eu também não. Quanto aos outros nomes (com excepção da mãe do rei), brasileiros e portugueses fazem a mesmíssima coisa: não traduzem quase nunca, mas traduzem de vez em quando…
Sobre o tema das diferenças e de como as sobrevalorizamos, lembro este outro texto: «A língua em Portugal e no Brasil (com um salto à Galiza)».
De facto, comparando com alguns povos, como os espanhóis (aqui ao lado), que traduzem tudo, nós não traduzimos nada. Confesso que fiquei bastante surpreendida quando, durante uma viagem de carro por Espanha, há uns anos, ouvi na rádio anunciar a banda irlandesa U2 como "los Y Tu También, ou Rolling Stones como Las Piedras Rolantes. Surpreendida e divertida também.