Viagem às línguas escondidas nas notas de euro
Vamos dar uma volta pelo nosso continente à descoberta das línguas que levamos no bolso.
Antes de avançarmos para o texto, fica um convite: na segunda-feira, vou estar na Feira do Livro para a conversa “40 Anos de Tradução em Língua Portuguesa na União Europeia”, organizada pela Representação da Comissão Europeia em Portugal. Será no Auditório Sul, às 19h, no dia 9 de Junho, na Feira do Livro de Lisboa.
Tantas línguas no nosso bolso
Faça este exercício: pegue numa nota de 5 euros da segunda série (emitida ali por volta de 2013). Olhe para o nome da moeda:
Note como o nome da moeda aparece nos três alfabetos usados na União Europeia: o alfabeto latino («EURO»), o alfabeto grego («ΕΥΡΩ») e o alfabeto cirílico («ЕВРО»).
O alfabeto cirílico aparece na nota porque o búlgaro é uma das línguas oficiais da União.
Mas não são só os três alfabetos que aparecem nas notas. Também aparecem mais de duas dezenas de línguas.
Repare, na sua nota de cinco euros, naquelas letras à esquerda:
Para poupar ao leitor o inclinar da cabeça, aqui fica a transcrição das letrinhas todas:
BCE ECB ЕЦБ EZB EKP ΕΚΤ EKB BĊE EBC
Temos aqui, em rápida sucessão, vinte e três das línguas oficiais da União. Falta uma, mas já lá chegaremos. Antes de mais, reparemos nisto: a União tenta dar a mesma dignidade oficial a todas as línguas oficiais. Ao mesmo tempo, convém poupar tinta. Assim, as línguas em que, por acaso, as três palavras «Banco Central Europeu» começam pelas mesmas letras partilham o espaço na nota. O terreno monetário é caro: não convém desperdiçar.
Ora, façamos uma pequena viagem pelas línguas que levamos no bolso…
BCE — Estamos em primeiro lugar! Mas, no mesmíssimo local, temos todas as outras línguas latinas. Na verdade, a ordem segue a ordem oficial dos países, que se baseia na ordem alfabética dos nomes na respectiva língua oficial. Ora, a Bélgica está em primeiro lugar — e, por algum passe de magia protocolar, o francês avança à frente do neerlandês e do alemão, as outras línguas da Bélgica. E, com o francês, seguem as línguas latinas — em todas, o nome do banco é representado por esta sigla. Curiosamente, temos também aqui o irlandês, língua em que o nome do banco é «Banc Ceannais Eorpach».
ECB — Agora, segue-se o neerlandês («Europese Centrale Bank»), mas também o checo, o dinamarquês, o inglês, o letão, o lituano, o esloveno, o eslovaco e o sueco. Perguntará o leitor: o esloveno e o eslovaco, com nomes tão próximos, serão línguas parecidas? Pelo exemplo, parece que sim: «Evropska centralna banka» (esloveno) e «Európska centrálna banka» (eslovaco). Mas não cheguemos a conclusões com três palavrinhas apenas…
ЕЦБ — O búlgaro dá-nos aqui o único cheiro de letras que não sabemos pronunciar. A segunda letra é, habitualmente, transliterada como «c» (e lê-se «ts») e a última como «b». Transformando no nosso alfabeto, teríamos algo como «ECB». Ou seja, a sigla anterior.
EZB — Chegámos à língua que mais cidadãos europeus têm como materna: o alemão. A sigla representa duas palavras: «Europäische Zentralbank».
EKP — Aqui, temos duas línguas próximas, mas isoladas de todas as outras: o finlandês («Euroopan keskuspankki») e o estónio («Euroopa Keskpank»). São dois exemplos desse bicho raro: línguas europeias que não têm uma origem indo-europeia comum. Outros exemplos serão o húngaro e o basco.
ΕΚΤ — Não parece, mas esta sigla está noutro alfabeto: o grego. O nome do banco, por lá, é este: «Ευρωπαϊκή Κεντρική Τράπεζα». O leitor perdoará que não faça a transliteração. Afinal, o significado é óbvio…
EKB — Outra das línguas não indo-europeias: o belo húngaro. Aqui temos a expressão completa: «Európai Központi Bank».
BĊE — Não fosse o pontinho por cima do «C» e o maltês iria directamente para o grupo das línguas latinas e do irlandês, ali logo à entrada. Mas, não, a sigla certa é mesmo «BĊE». O som que esta letra representa é o «tch». Curiosamente, o maltês não tem a letra «C» sem ponto. Não estranhemos assim tanto: o nosso «i» também tem sempre uma pinta. Em maltês, para lá do «i», também o «ċ» é sempre pintado…
EBC — A última língua é o polaco: «Europejski Bank Centralny».
Disse que faltava uma língua… Se quiser encontrá-la, pegue numa nota de 50 euros:
Conte as siglas. São 10 — enquanto, na nota de 5, são apenas nove. O que se passou? Bem, entre a emissão da segunda série das notas de 5, 10 e 20 euros e a emissão da nota de 50, entrou um novo país na União Europeia: a Croácia.
Assim, ali entre o grego e o húngaro, lá temos o croata, língua em que o banco se chama «Europska središnja bank». No meio, temos aquele «š» a chamar-nos para mais aventuras pelas estranhas letras das outras línguas.
Uma língua em falta
A União Europeia faz este esforço louvável de tentar dar a mesma dignidade às línguas dos seus cidadãos: do maltês ao inglês, estão ali todas, por ordem alfabética do nome dos respectivos países. Os tratados e a legislação também são publicados nas vinte e quatro línguas oficiais.
Todas? Bem, aqui mesmo ao lado, temos uma língua muito europeia — já se falava por cá ainda os indo-europeus mal sabiam onde era a Europa — que não aparece nas notas.
Falo do basco.
Espanha comunicou à União Europeia que a língua oficial a usar no âmbito da União é o espanhol ou castelhano. No entanto, aqui no reino do lado, há uns quantos milhões de europeus que têm outras línguas maternas, para lá do castelhano. Tem havido várias tentativas do Governo espanhol para que o basco, catalão e galego passem a ser também línguas oficiais da União (são, aliás, mais falados do que algumas das línguas oficiais actuais). Enquanto tal não acontece, os galegos e catalães podem olhar para as notas e ver ali as suas siglas na posição comum das línguas latinas; já os bascos não encontram o seu idioma no dinheiro que usam. Em sua honra, deixo aqui o nome do banco em basco: «Europako Banku Zentrala».
E assim fizemos uma viagem à volta do nosso bolso…
Texto publicado anteriormente (a versão acima sofreu algumas revisões).